Embora 4 dentinhos do teu maxilar inferior estivessem a anunciar a sua saída há mais de 2 meses e depois de termos passado várias vezes água salgada nas tuas gengivas, foi no dia 23 de junho de 2013 que nasceu o teu primeiro dente e foi na Fuseta, no Algarve. Nasceu no maxilar inferior na zona central e passados uns dias nasceu outro imediatamente ao lado, cada dia que passa estás mais linda.
No dia 6 de agosto de 2013 perdeste o medo e começaste a gatinhar para a frente, antes disso era apenas para trás que te aventuravas, desta vez deste o impulso necessário para te movimentares na minha direção.
No dia 4 de setembro de 2013 vais para a creche pela primeira vez, felizmente durante pouco tempo porque decidimos, passados dois meses, que ficarias em casa comigo, foi a melhor decisão que tomámos. Lembro-me de ter óculos de sol e não conter as lágrimas ao deixar-te pela primeira vez e tu, como se nada se passasse ficaste toda sorridente com pessoas que não conhecias.
Noutros dias também tu choraste quando te deixei.
Todas as noites, antes de me ir deitar, ia ao teu quarto olhar para ti antes de ir dormir porque me fazia sentir bem e em todos esses dias tu pressentias a minha presença por mais silencioso que eu tentasse ser, mexias-te sempre e não poucas vezes abriste mesmo os olhos.
No dia 12 de outubro de 2013 deste os teus primeiros passos sozinha, a tua mãe de um lado eu do outro e tu sem apoio deste 2 ou 3 passos na minha direção como quem quer deixar de ser bebé, nós tivemos muito mais medo do que tu, que parecias decidida a deixar de o ser. Demoraste mais uns dias para que tivesses a tua independência quase total e não parasses quieta de um lado para o outro, essa independência começaste a adquiri-la em meados do teu 12º mês de vida, por mais que andássemos atrás de ti, volta e meia tinhas uma nova nódoa negra, muitas das vezes nem sabíamos a origem da mesma.
No dia 6 de novembro de 2013 contaste à tua maneira até 5, fartei-me de rir com a entoação que deste aos números, continuo e continuarei sempre a espantar-me com a tua perspicácia e inteligência.
No dia 22 de junho de 2013 ouvi pelo telefone chamares pela primeira vez pelo papá, antes disso dizias muitas vezes “dadá”, eu brincava que era papá em inglês, desta vez e noutras mais, chamaste-me “papá” e nunca uma palavra me definiu tão bem, sou e serei sempre o teu papá.
Ao longo do tempo vincaste bem essa palavra e com 12 meses gritavas “ó papá!” em alto e bom som para toda a gente ouvir, como se tivesses orgulho em que eu fosse o teu pai. Aos 13 meses chamavas-me também Caco quando eu não respondia quando me chamavas “papá”.
Com 15 meses chamavas-me “Caco”, “Papá”, “Pai”, chamavas-me e quando eu não respondia perguntavas se eu estava "sudo" (surdo), quando eu cantava na brincadeira tu chamavas-me “tonto”. É maravilhoso constatar que desde tenra idade já tinhas um sentido de humor apurado.
Aos 18 meses para além de todos os outros nomes já dizias o meu nome na perfeição.
Nessa altura, à tua mãe chamavas “Cáquia”, “Mamã”, “Mãe”, querias muitas vezes ir para o colo dela para comeres da nossa comida e davas-lhe umas festas muito ternurentas em sinal de agradecimento. Aos 18 meses também já dizias perfeitamente o nome dela e já sabias a maioria das cores.
Em abril de 2013 soube que em agosto desse ano seria mais uma vítima da crise e que seria mais um a engrossar as fileiras dos desempregados. Tinhas perto de 6 meses e encontrava-me a gozar a licença de paternidade quando recebi o telefonema.
A primeira reação é de choque! E agora?! Depois de 13 anos numa empresa, esta não era propriamente a notícia que gostaria de receber, ainda para mais a 6 meses de distância de teres nascido. Apesar de tudo não entrámos em pânico porque sempre fizemos questão de nos precavermos para uma eventualidade e a tua mãe mantinha-se sólida no seu emprego.
Passámos a ser uma família pouco convencional nesse aspeto: mãe a trabalhar e pai em casa a tempo inteiro a cuidar de ti. Quando fizeste 10 meses, e a mamã começou a trabalhar, ainda te inscrevemos numa creche, mas após mês e meio de “infectário”, concordámos que ficarias comigo em casa. Inicialmente houve algum receio que isso pudesse ser prejudicial em termos de socialização com outras crianças, mas o pediatra descansou-nos afirmando que até aos 3 anos não há grandes benefícios em termos sociológicos para as crianças e que seria até prejudicial, noutros aspetos, pela quantidade de vírus e outros seres microscópicos que habitam creches e infantários. Havendo essa possibilidade, seria sempre melhor ficares em casa até aos 3 anos. Tens a sorte de teres muitos primos e a convivência com crianças nunca te faltou.
Estive mais de dois anos contigo em casa a conhecer-te e a usufruir de momentos inesquecíveis de partilha e de amor. Estabelecemos rotinas de que ainda hoje sinto uma enorme falta: acordar contigo de manhã com mimos, muitos mimos, dar-te o leitinho, brincarmos os dois, as idas diárias ao parque para te ver feliz, até da sesta que muitas vezes demoravas mais de uma hora a adormecer, e eu contigo ao colo a cantar-te canções de embalar, e canções de outros géneros que eu cantava para ti, por falta de repertório em canções infantis... canções que eu gostava e que tu gostavas também.
Foi uma decisão difícil mas foi a decisão acertada, tinha o melhor emprego do mundo e aquele que mais gostava de desempenhar: ser teu pai! Muitas vezes a vida traz-nos o que pensamos serem contrariedades mas que não são mais do que oportunidades, e a oportunidade que tive de passar esse tempo contigo não a trocaria por dinheiro nenhum nem emprego nenhum no mundo.
A dinâmica em casa girava toda à tua volta: a comida, os banhos, as fraldas, os cremes, a dormida. As conversas eram sobre ti, os olhares eram todos para ti, os pensamentos, tudo!
Embora fossemos pais pela primeira vez e um pouco inexperientes (sobretudo eu) tínhamos a grande vantagem da tua mamã ter um jeito natural para tratar de ti, adquirido desde a adolescência quando foi mais do que uma mãe para o irmão, tendo também ajudado a criar os sobrinhos, já nessa altura me impressionava o à vontade que ela tinha com bebés e isso ajudou-me muito, verdade seja dita, se consegui ser o pai interventivo e presente que fui e sou, devo-o muito a ela, pela sua experiência e jeito.
Desde o primeiro mês de vida que tu sorris e o teu sorriso é a melhor coisa que já vi na vida, enche-me o coração, desde muito cedo que o teu acordar era precedido de um sorriso aberto, franco, puro, lindo! Não há nada como o sorriso da minha Matilde!
As festinhas que me davas com as tuas mãozinhas pequeninas de cada vez que me aproximava da tua cara e a alegria que demonstravas de cada vez que me vias faziam-me (e ainda fazem) sentir especial e ser especial para ti é tudo o que eu quero ser.
Os teus olhos e o teu olhar penetram em cada átomo da minha existência, durante muito tempo não consegui suster as lágrimas de cada vez que olhava para ti, filha, quantas vezes, em vão, tentei suster as lágrimas só de olhar para ti e tu olhares para mim. Os teus olhos ainda sem cor definida para os outros mas com uma definição clara para mim e com um formato maravilhosamente diferente de todos os que já vi anunciam uma das tuas futuras armas: o teu olhar, com ele vais poder enfrentar qualquer batalha que ninguém resistirá à beleza dos teus olhos e do teu olhar.
Escrever estas coisas mexe muito comigo, sinto-me a reviver esses momentos tão mas tão especiais e faz-me pensar que o devia ter feito mais cedo. Mudei muito desde esses tempos, para melhor, assim o espero, sou muito mais emotivo do que alguma vez fui, tenho as emoções muito mais à flor da pele desde que fui teu pai e dei por mim muitas vezes a tentar esconder e conter as lágrimas que me corriam só por observar-te, a maioria das vezes consegui e outras acho que não.
A paternidade modifica-nos e transforma-nos de uma forma que jamais pensei ser possível.
Segundo se diz a recuperação de uma cesariana demora um pouco mais do que a de um parto dito normal, como nasceste a uma 6ª feira e nestes casos só dão alta ao fim de dois dias, permanecemos no hospital um pouco mais do que idealizávamos inicialmente, a juntar a esse facto a circunstância de o segundo dia corresponder a um domingo e a um domingo não serem geralmente dadas altas, principalmente pela falta de médicos que o possam fazer.
Nesses primeiros dias acabei por ter um papel muito interventivo em tudo, uma vez que a mamã estava a recuperar e movimentava-se com alguma dificuldade, mudei a maioria das fraldas, dormi pouco, muito pouco, pela exigência da mamada de 3 em 3 horas, mas estive sempre confortável naquele quarto e sempre presente no apoio à tua mamã, nunca tive a necessidade de me fazer substituir pelas enfermeiras, apesar da minha inexperiência fi-lo sempre com a maior alegria e satisfação, sempre quis, desde o primeiro segundo, estar presente e bem presente em tudo o que a ti dissesse respeito, continuo a querer estar e tenho a certeza que sempre assim será.
Embora inicialmente tenham corrido muito bem as mamadas, tu também gostavas muito de dormir e muitas foram as vezes que tivemos que te acordar e diria, quase torturar, por já terem passado as horas necessárias para te alimentares, com calma e dedicação ensinaram-nos técnicas para te acordar, porque nos primeiros tempos há a exigência de as crianças aumentarem 10% do peso (exceto no primeiro dia que é normal perderem) e tu andaste sempre no limiar desse limite e tivemos que te pressionar um pouco para que adquirisses o peso exigido. Hoje em dia comes tudo e bem, a evolução da tua alimentação foi e ainda hoje é uma experiência mágica.
Recordo desses dias, particularmente e com ternura, o teu primeiro banho (dado no sábado), a simpatia da enfermeira no auxílio a um pai inexperiente que estava disposto a aprender tudo o que havia para aprender porque nunca quis que esse papel fosse, no futuro, exclusivo da tua mãe. Rio-me só de pensar que quando já estávamos em casa quase discutíamos na decisão de quem seria a dar o banho, estávamos os dois entusiasmados com essa tarefa (e com todas as outras) e alternávamos dia-sim, dia-não, no desempenho dessa função. Nestas pequenas coisas percebemos verdadeiramente o que é o amor e o que é dar tudo sem esperar nada em troca, mas ao mesmo tempo recebendo tudo, quer sobre a forma de um olhar, de um sorriso ou até de um choro ligeiro quase em forma de lamento. Poder observar, como espectador, a relação especial e o amor que desde o primeiro momento tinhas pela tua mãe e ela por ti. Tudo isso me fez pensar e sentir, mais do que nunca, que a Natureza é de facto extraordinária!
Apesar de esta experiência estar a ser incrível sentíamos alguma ansiedade porque queríamos levar-te para casa, queríamos dar-te a conhecer o teu quarto, o teu lar, muito embora e, verdade seja dita, tenhamos adorado o Hospital dos Lusíadas: a simpatia das auxiliares, dos enfermeiros, dos médicos, a excecionalidade das instalações, a atenção prestada, a prontidão no auxilio, tudo! Até nos ofereceram alguns produtos essenciais para os primeiros tempos e foram inexcedíveis em tudo o que foi necessário. Sabíamos que a probabilidade de ires para casa no domingo era baixa e apontámos toda a energia e esperança para o dia seguinte. Na 2ª feira foste levar as primeiras vacinas e desde logo alertaram-me, tentando preparar-me por antecipação, para o cenário com que me iria deparar, disseram-me: “olhe que os pais geralmente ficam muito impressionados porque as crianças choram muito nas vacinas”. Preparei-me para o que aí viria e contra todas as expectativas e probabilidades levaste as vacinas sem deitar uma lágrima, sem um lamento, deixando todos surpreendidos com a tua reação e não foi caso único, este cenário aconteceu em todas as vezes que foste levar as vacinas, em todos fui alertado e em todos surpreendeste os presentes pelo teu heroísmo e resistência à dor que ainda hoje manténs quando te magoas. Nunca sabemos de onde vêm as tuas nódoas negras, as tuas feridas, porque raramente te queixas, muito raramente choras com a dor física, és desde o primeiro dia a minha menina valente, de uma beleza e de uma inteligência raras e fora do comum, não há muita coisa que te quebre e espero que a resistência que tens para enfrentar a dor física seja a mesma que terás para enfrentar a vida que tens pela frente. Estarei sempre aqui, tal como a mamã, para ti e para te ajudar nesse caminho.
O dia ainda mal tinha começado e foi a vez de sermos visitados pelo médico, estávamos em pulgas para receber a confirmação da tua saída, mas o médico detetou nas análises uns valores de concentração de bilirrubina um pouco acima do recomendado o que significava que estavas com icterícia, o tratamento seriam algumas horas de fototerapia, esta notícia foi como um murro no estômago e deixou-nos um pouco sem chão, a esta distância percebemos como às vezes as coisas mais normais e mundanas se transformam em grandes contrariedades na nossa cabeça. Passámos mais esse dia no hospital e estivemos sempre próximos de ti, embora estivesses sozinha numa sala, dentro de uma incubadora a fazer tratamentos de luz, foi a primeira vez que estivemos algum tempo separados de ti e esse afastamento custou-nos muito, minimizámos esse sofrimento pedindo aos médicos e enfermeiros várias vezes para irmos para ao pé de ti e estávamos constantemente a espreitar por uma pequena janela por onde conseguíamos ver-te, o que acabava por nos tranquilizar um pouco.
Foi já de madrugada, pelas duas da manhã, que abandonámos as instalações do hospital, chovia copiosamente e saímos pela zona das urgências por ser mais abrigada, os planos que tínhamos feitos em relação à primeira roupa que usarias ao sair do hospital não passaram disso mesmo, com algum cansaço acumulado, sobretudo a tua mãe que ainda estava dorida, mas com uma imensa felicidade por estarmos finalmente de regresso a casa.