Desafios superados e alegrias inesperadas!
O Pai da Matilde
Segundo se diz a recuperação de uma cesariana demora um pouco mais do que a de um parto dito normal, como nasceste a uma 6ª feira e nestes casos só dão alta ao fim de dois dias, permanecemos no hospital um pouco mais do que idealizávamos inicialmente, a juntar a esse facto a circunstância de o segundo dia corresponder a um domingo e a um domingo não serem geralmente dadas altas, principalmente pela falta de médicos que o possam fazer.
Nesses primeiros dias acabei por ter um papel muito interventivo em tudo, uma vez que a mamã estava a recuperar e movimentava-se com alguma dificuldade, mudei a maioria das fraldas, dormi pouco, muito pouco, pela exigência da mamada de 3 em 3 horas, mas estive sempre confortável naquele quarto e sempre presente no apoio à tua mamã, nunca tive a necessidade de me fazer substituir pelas enfermeiras, apesar da minha inexperiência fi-lo sempre com a maior alegria e satisfação, sempre quis, desde o primeiro segundo, estar presente e bem presente em tudo o que a ti dissesse respeito, continuo a querer estar e tenho a certeza que sempre assim será.
Embora inicialmente tenham corrido muito bem as mamadas, tu também gostavas muito de dormir e muitas foram as vezes que tivemos que te acordar e diria, quase torturar, por já terem passado as horas necessárias para te alimentares, com calma e dedicação ensinaram-nos técnicas para te acordar, porque nos primeiros tempos há a exigência de as crianças aumentarem 10% do peso (exceto no primeiro dia que é normal perderem) e tu andaste sempre no limiar desse limite e tivemos que te pressionar um pouco para que adquirisses o peso exigido. Hoje em dia comes tudo e bem, a evolução da tua alimentação foi e ainda hoje é uma experiência mágica.
Recordo desses dias, particularmente e com ternura, o teu primeiro banho (dado no sábado), a simpatia da enfermeira no auxílio a um pai inexperiente que estava disposto a aprender tudo o que havia para aprender porque nunca quis que esse papel fosse, no futuro, exclusivo da tua mãe. Rio-me só de pensar que quando já estávamos em casa quase discutíamos na decisão de quem seria a dar o banho, estávamos os dois entusiasmados com essa tarefa (e com todas as outras) e alternávamos dia-sim, dia-não, no desempenho dessa função.
Nestas pequenas coisas percebemos verdadeiramente o que é o amor e o que é dar tudo sem esperar nada em troca, mas ao mesmo tempo recebendo tudo, quer sobre a forma de um olhar, de um sorriso ou até de um choro ligeiro quase em forma de lamento. Poder observar, como espectador, a relação especial e o amor que desde o primeiro momento tinhas pela tua mãe e ela por ti. Tudo isso me fez pensar e sentir, mais do que nunca, que a Natureza é de facto extraordinária!
Apesar de esta experiência estar a ser incrível sentíamos alguma ansiedade porque queríamos levar-te para casa, queríamos dar-te a conhecer o teu quarto, o teu lar, muito embora e, verdade seja dita, tenhamos adorado o Hospital dos Lusíadas: a simpatia das auxiliares, dos enfermeiros, dos médicos, a excecionalidade das instalações, a atenção prestada, a prontidão no auxilio, tudo! Até nos ofereceram alguns produtos essenciais para os primeiros tempos e foram inexcedíveis em tudo o que foi necessário. Sabíamos que a probabilidade de ires para casa no domingo era baixa e apontámos toda a energia e esperança para o dia seguinte.
Na 2ª feira foste levar as primeiras vacinas e desde logo alertaram-me, tentando preparar-me por antecipação, para o cenário com que me iria deparar, disseram-me: “olhe que os pais geralmente ficam muito impressionados porque as crianças choram muito nas vacinas”. Preparei-me para o que aí viria e contra todas as expectativas e probabilidades levaste as vacinas sem deitar uma lágrima, sem um lamento, deixando todos surpreendidos com a tua reação e não foi caso único, este cenário aconteceu em todas as vezes que foste levar as vacinas, em todos fui alertado e em todos surpreendeste os presentes pelo teu heroísmo e resistência à dor que ainda hoje manténs quando te magoas. Nunca sabemos de onde vêm as tuas nódoas negras, as tuas feridas, porque raramente te queixas, muito raramente choras com a dor física, és desde o primeiro dia a minha menina valente, de uma beleza e de uma inteligência raras e fora do comum, não há muita coisa que te quebre e espero que a resistência que tens para enfrentar a dor física seja a mesma que terás para enfrentar a vida que tens pela frente. Estarei sempre aqui, tal como a mamã, para ti e para te ajudar nesse caminho.
O dia ainda mal tinha começado e foi a vez de sermos visitados pelo médico, estávamos em pulgas para receber a confirmação da tua saída, mas o médico detetou nas análises uns valores de concentração de bilirrubina um pouco acima do recomendado o que significava que estavas com icterícia, o tratamento seriam algumas horas de fototerapia, esta notícia foi como um murro no estômago e deixou-nos um pouco sem chão, a esta distância percebemos como às vezes as coisas mais normais e mundanas se transformam em grandes contrariedades na nossa cabeça. Passámos mais esse dia no hospital e estivemos sempre próximos de ti, embora estivesses sozinha numa sala, dentro de uma incubadora a fazer tratamentos de luz, foi a primeira vez que estivemos algum tempo separados de ti e esse afastamento custou-nos muito, minimizámos esse sofrimento pedindo aos médicos e enfermeiros várias vezes para irmos para ao pé de ti e estávamos constantemente a espreitar por uma pequena janela por onde conseguíamos ver-te, o que acabava por nos tranquilizar um pouco.
Foi já de madrugada, pelas duas da manhã, que abandonámos as instalações do hospital, chovia copiosamente e saímos pela zona das urgências por ser mais abrigada, os planos que tínhamos feitos em relação à primeira roupa que usarias ao sair do hospital não passaram disso mesmo, com algum cansaço acumulado, sobretudo a tua mãe que ainda estava dorida, mas com uma imensa felicidade por estarmos finalmente de regresso a casa.